PREMIAÇÃO
A dissertação de mestrado "O financiamento da transição energética no Brasil sob o regime de De-risking State", defendida no Instituto de Economia da Unicamp (IE-Unicamp), conquistou o II Prêmio brasileiro de dissertações e teses em economia ecológica. A pesquisa, de autoria do agora doutorando Iago Montalvão Oliveira Campos, mergulha no dilema central da crise climática: a necessidade urgente de investimentos massivos em energia limpa em contraponto à lógica avessa a riscos do capital financeiro global, que detém os recursos para tal empreitada.
A dissertação vai além de uma análise setorial e oferece um diagnóstico do modelo que o Brasil adotou para financiar seu futuro energético. O trabalho, orientado pelo professor Bruno Martarello De Conti, foi laureado pela Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (Ecoeco) em sua edição de 2025, que homenageia o economista Charles Curt Mueller.
O argumento central de Campos é que a expansão das fontes eólica e solar no país tem sido estruturada sob um regime de de-risking state, ou "Estado mitigador de riscos". Trata-se de uma arquitetura financeira na qual o setor público reconfigura sua atuação não para liderar o investimento, mas para absorver as incertezas e garantir a lucratividade de investidores privados, em sua maioria estrangeiros. Essa abordagem, segundo a pesquisa, está alinhada a uma lógica global mais ampla, o "Consenso de Wall Street", uma evolução do antigo Consenso de Washington, onde a solução para os grandes desafios do desenvolvimento, incluindo a crise climática, é crescentemente delegada ao mercado de capitais.
Ao examinar a atuação de bancos multilaterais, fundos climáticos e a própria reformulação estratégica do BNDES, a dissertação revela uma dinâmica preocupante. Historicamente um motor do desenvolvimento nacional, o banco tem se movido para uma função de facilitador do capital externo. O resultado, aponta o estudo, é uma transição que, apesar de expandir a geração de energia limpa, não promove uma substituição efetiva das fontes fósseis, mas sim uma adição à matriz energética total. Mais gravemente, o modelo reforça a concentração de capital, a dependência externa e aprofunda o papel subordinado do Brasil na economia global, sem assegurar que os benefícios da transição — como empregos qualificados e desenvolvimento tecnológico — sejam distribuídos de forma equitativa.
O risco, como explica o autor, é o de desperdiçar uma oportunidade histórica de reestruturação econômica. "O Brasil é um país cuja matriz energética já é majoritariamente renovável. Mas para além disso também é um país com imenso potencial de desenvolver ainda mais fontes de energia limpa, que são necessárias pra um processo de reindustrialização robusto", afirma Iago Montalvão. "A infraestrutura para esse tipo de transição também oferece condições de desenvolver uma cadeia produtiva com um médio-alto valor agregado, intensivo em capital e trabalho qualificado. Isso pode ser uma oportunidade pro país usar de suas potencialidades pra impulsionar o setor industrial, mas pra isso precisa de estrategia de desenvolvimento nacional, com investimento público e construção de capacidades domésticas. Na medida em que o estado desempenha apenas um papel de mitigador de riscos do capital privado e financeiro, principalmente estrangeiro, ele reduz sua condição de coordenar e dirigir esse processo de desenvolvimento."
A dissertação, defendida em fevereiro de 2025, conclui com um chamado à reflexão sobre a necessidade de políticas públicas que resgatem a capacidade de planejamento do Estado, visando reduzir a dependência externa e promover uma transição que seja, de fato, justa e sustentável. O reconhecimento por parte da Ecoeco, uma sociedade científica que valoriza abordagens interdisciplinares e críticas à economia convencional, confere um peso especial a essa mensagem.
Receber o prêmio, para o autor, foi mais do que uma honra pessoal. "Pra mim foi uma surpresa muito grata! Todo apoio e respaldo do meu orientador, professor Bruno De Conti, de colegas e do Instituto de Economia foram fundamentais", comenta. "Penso que o debate ecológico tem de estar intimamente vinculado ao desenvolvimento com justiça social e climática. Pensar que meu trabalho pode ter maior repercussão e contribuir com essas discussões me alegra muito. Ainda tenho muito o que aprender, mas espero que sempre que escrevermos algo, nós também consigamos contribuir pra que a teoria econômica esteja a favor da transformação social."
No fim, a pesquisa de Iago Montalvão Oliveira Campos serve como um alerta. Ela demonstra que, sem um projeto soberano, a transição para uma economia de baixo carbono corre o risco de se tornar apenas mais um campo para a acumulação financeira, reproduzindo as mesmas desigualdades que levaram o planeta à beira do colapso. O desafio, portanto, não é apenas técnico ou financeiro, mas fundamentalmente político.