TEXTO PARA DISCUSSÃO
Fernando Nogueira da Costa
Recentemente, foram publicadas uma série de pesquisas reveladoras da desigualdade social do País, a maior característica do Brasil. O que é ruim sempre pode piorar.
A diferença entre os rendimentos obtidos pelo 1% mais rico e dos 50% mais pobres no ano de 2018 é recorde na série histórica da PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua) do IBGE, iniciada em 2012. A desigualdade aumentou porque o rendimento real do trabalho da metade mais pobre caiu ou subiu bem menos se comparado ao dos mais ricos, sobretudo nos últimos anos.
O rendimento médio mensal obtido com trabalho do 1% mais rico da população brasileira atingiu, em 2018, o equivalente a 33,8 vezes o ganho obtido pelos 50% mais pobres. No topo, o rendimento médio foi de R$ 27.744, enquanto na metade mais pobre, de R$ 820.
O aumento da desigualdade reflete a recessão do mercado de trabalho nos últimos anos. Impacta principalmente quem vive de ocupações menos formais em relação a aqueles com carteira de trabalho ou funcionários públicos.
Pelos cálculos da PNADC, o rendimento médio mensal de todos os trabalhos (de pessoas de 14 anos ou mais) em 2018 ficou em R$ 2.234, ainda abaixo do maior valor da série, os R$ 2.279 apurados em 2014. Desde o início da PNADC, coincidindo com o aumento na desigualdade após o fim da Era Social-Desenvolvimentista (2003-2014), houve uma diminuição no total de domicílios atendidos pelo Bolsa Família, de 15,9% no total do país em 2012 para 13,7% em 2018.
A extrema concentração de renda no Brasil revela os 10% da população com os maiores ganhos deterem, no ano de 2018, 43,1% da massa de rendimentos (R$ 119,6 bilhões). Em contrapartida, os 10% mais pobres ficavam com apenas 0,8% da massa (R$ 2,2 bilhões).
A disparidade de renda no Brasil é também regional, com o Sudeste – com pouco mais de 40% da população – concentrando uma massa de rendimentos (R$ 143,7 bilhões) superior à de todas as outras regiões somadas. Os três estados da região Sul, com cerca da metade da população do Nordeste, tem massa de rendimentos maior se comparada à dos nove estados nordestinos (R$ 47,7 bilhões ante R$ 46,1 bilhões).
A exceção na piora foi o Nordeste, onde a desigualdade de rendimentos caiu porque as pessoas no topo perderam renda – e não porque os mais pobres ganharam mais. Isso reflete a maior informalidade da economia na região. Ela distribui os impactos da crise de forma mais homogênea entre as diversas classes de renda. O Nordeste é a região com o menor rendimento médio: R$ 1.497. O Sudeste, com o maior: R$ 2.572.
Os dados de 2018 mostram o índice Gini, indicador da desigualdade em uma escala de 0 (perfeita igualdade) a 1 (máxima concentração), ter aumentado em todas as regiões do Brasil. Ele atingiu o maior patamar da série, chegando a 0,509.
Apesar da extrema concentração de renda mostrada na pesquisa, ela não revela outros aspectos da questão da desigualdade social. Como se trata de uma pesquisa domiciliar, a partir de um questionário, as pessoas mais ricas e com outras fontes de renda, sobretudo de aplicações financeiras e aluguéis, tendem a não mencionar esses ganhos quando abordadas.
O Relatório da Desigualdade Global da Escola de Economia de Paris agrega pesquisas domiciliares, contas nacionais e declarações de imposto de renda. Ele sustenta a concentração de renda no Brasil ser ainda maior: o 1% mais rico se apropria de 28,3% dos rendimentos brutos totais e os 50% mais pobres ficam com apenas 13,9% do conjunto de todos os rendimentos. Por esses cálculos, o Brasil é o país democrático mais desigual do mundo, atrás somente do autocrático e diminuto Qatar.
Por conta da necessidade de ampliar o foco da concentração dos fluxos da renda do trabalho para abranger os fluxos de rendimentos do capital acumulado em riqueza, principalmente financeira, dada a dificuldade de cálculo de rendimentos imobiliários, neste Texto para Discussão divulgarei outras pesquisas capazes de captarem melhor os ganhos de capital por Pessoa Física. Na PNADC, a renda do trabalho é preponderante para o cálculo do rendimento médio, representando 72,4% do total, seguida por aposentadorias e pensões (20,5%). O item “outros rendimentos” responde só por 3,3%.
Segundo especialistas, a desigualdade de renda no Brasil é alta e persistente por conta de fatores históricos e estruturais, como a herança escravocrata, o patrimonialismo a partir de recursos estatais, os empregos públicos antes com a possibilidade de aposentadoria com o último salário, as políticas de crédito público subsidiado voltadas a grandes grupos econômicos, etc. Valida isso a estrutura tributária regressiva, onde se cobra proporcionalmente mais impostos de quem ganha menos.
Assim, além desta introdução, no segundo tópico dimensionarei a vocação agrícola deste país urbanizado e diversificado através do Censo Agropecuário de 2017 e das últimas Contas Nacionais.
Em seguida, analisarei os fluxos de rendimentos familiares e variação patrimonial do estoque de riqueza, seja por sua ampliação, seja por seu uso em despesas familiares, através da Pesquisa de Orçamento Familiar 2017-2018. Ao tratar da desigualdade educacional e de renda, uma retroalimentação favorável às castas de natureza ocupacional, eu me apoiarei nas Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) para hierarquizar as as rendas e os patrimônios dessas castas.
Resumirei depois um estudo da consultoria Tendências, mostrando a concentração de renda no Brasil ser quase o dobro da apurada pelos dados oficiais da PNADC, publicada pelo IBGE. Seu levantamento classes de renda familiar é feita com integração de dados da PNADC e das DIRPF. Para comparação, usarei cálculos do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, para a estratificação social por classes de renda das famílias brasileiras.
Daí saltarei para a análise da estratificação social da carteira de crédito para pessoa física. O Relatório sobre Estabilidade Financeira, publicado pelo Banco Central do Brasil em outubro de 2019, traz dados inéditos sobre os destinos desse crédito.
Em seguida, analisarei os fluxos de renda real e valores atribuídos a capital fictício. A Lista dos Bilionários Brasileiros, publicada pela Forbes (outubro de 2019), traz uma estimativa de patrimônio apurada principalmente a partir do valor de mercado das empresas nas quais os citados têm participação acionária total ou parcial. É uma riqueza fictícia, resultante da atual bolha de ações, ou seja, são valores atribuídos por impressionismo de poucos investidores interativos.
Compararei a riqueza dessa lista da Forbes com dados da ANBIMA sobre riqueza financeira dos clientes dos segmentos Private Banking, do varejo tradicional e do varejo de alta renda. Detalharei mais a estratificação dos depositantes de poupança. São eles os “párias” brasileiros? A Índia é aqui?
Por falar em riqueza fictícia, tratarei também da especulação com moedas paralelas: disputa entre Mercado e Estado sob o olhar da Comunidade. É um tema em debate público, relacionado à fuga de capitais e à soberania nacional na emissão da moeda de curso forçado para A Comunidade e O Mercado pagarem impostos para O Estado atender à demanda social por serviços públicos como segurança, educação, saúde, etc.
Apesar de todos os significados da desigualdade de gêneros, ainda não se encontra um estudo, mesmo breve, sobre a ocorrência desse fenômeno nas Finanças. Fui cobrado por isso por uma amiga feminista. Portanto, concluirei este Texto para Discussão ao tratar a desigualdade de gênero em Finanças.
Baixe o Texto para Discussão aqui.