Hildete Pereira de Melo | Universidade Federal Fluminense (UFF)
O Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento publica, nesta coletânea, uma seleção de textos da Professora Maria da Conceição Tavares escritos ao longo dos últimos 50 anos. Maria da Conceição Tavares construiu uma carreira acadêmica reconhecida internacionalmente, como atesta a publicação inglesa A biographical dictionary of dissenting economist (2000) – ela é uma das quatro mulheres selecionadas entre os 100 mais importantes economistas heterodoxos mundiais do século XX e a única mulher da América Latina. Seguramente, Conceição Tavares foi a pioneira brasileira da Economia e até os dias atuais ainda não passou o bastão da mais importante economista nacional.
A escolha dos textos desta coletânea foi feita com ela e por uma geração de profissionais com a qual Maria da Conceição Tavares contribuiu para suas formações, embora nenhum deles tenha sido orientando dela ao longo das suas respectivas pós-graduações.
Os textos apresentados foram publicados nos livros e coletâneas que ela produziu ao longo do tempo. Estes representam sua contribuição teórica e empírica ao processo de desenvolvimento das economias latino-americanas e, particularmente, da brasileira. O clássico Da substituição de importações ao capitalismo financeiro, de 1972, empolgou os jovens economistas daqueles anos a ponto de a organizadora desta coletânea ter sido apresentada ao livro por outra economista com o seguinte diálogo: “você já ouviu falar de Maria da Conceição? Leia seu livro, é uma análise inovadora sobre o desenvolvimento econômico”. Foi assim que, recém-chegada da Paraíba, conheci a obra da Professora.
A coletânea estrutura-se da seguinte forma: uma introdução, que comenta as análises feitas sobre a sua obra realizadas no espaço acadêmico, por meio de teses, dissertações, artigos e monografias que tiveram como fio condutor analítico o pensamento da Professora e, além disso, esta introdução foi enriquecida com as análises originais elaboradas pelo autor do texto. O capítulo “Itinerários” descreve a história da construção da carreira acadêmica da Professora. E destaca como esta se confunde com a própria formação profissional da carreira de Economista no Brasil, da graduação à pós-graduação. Seguem-se as suas três fases acadêmicas: Cepal, Unicamp e UFRJ.
Na fase CEPAL, aborda-se a questão do sub(desenvolvimento) econômico periférico, em particular da economia brasileira. Para ilustrá-la, apresentamos quatro excertos do livro Da substituição de importações ao capitalismo financeiro, ensaios sobre a economia brasileira, publicado pela primeira vez em 1972. Estes textos relacionam aspectos teóricos do desenvolvimento econômico nas economias periféricas a partir das contribuições teóricas pioneiras de Raúl Prebisch e Celso Furtado.
A fase UNICAMP faz uma revisão teórica, através do diálogo crítico com os três mais significativos autores da tradição da Economia Política – Marx, Keynes e Kalecki, além da original revisão da Teoria do Oligopólio, explicitada na sua reinterpretação da história econômica do Brasil. Estas ideias estão expressas nas suas duas teses escritas nestes tempos a de Livre-Docência e a de Professora Titular.
A fase UFRJ, dedicada à Economia Política Internacional, analisa a des(ordem) da economia mundial na primeira metade dos anos 1980 e a retomada da hegemonia estadunidense numa contribuição pioneira sobre a formação dos centros hegemônicos na economia do mundo. Seus dois ensaios são marcos analíticos significativos para os estudiosos dos problemas econômicos internacionais. Completa esta fase o importante ensaio sobre a economia brasileira “Império, território e dinheiro”, no qual estas ideias estão alinhadas com as preocupações a respeito do desenvolvimento nacional alinhado ao processo hegemônico do capitalismo mundial.
A fase recente está representada pelo artigo “Restaurar o Estado é Preciso (Insight Inteligência, dez/2017).” Ela afirma estarmos vivendo a penumbra da mais grave crise da história do Brasil, uma crise econômica, social e política e que, ainda em 2019, continua assombrando a sociedade brasileira. Com o realismo que a caracteriza, Conceição considera que esta crise aniquila qualquer possibilidade de pactação nacional e criminaliza o futuro. Todavia, com sua coragem, afirma que sofre, mas não se entrega. Pensa que há saídas para esse quadro de entropia nacional e que estas passam pelas novas gerações. Sua esperança está na juventude, pois a esperança de que as ilusões, próprias das pessoas jovens, curem este estado de astenia e possam reordenar as bases democráticas com tolerância e respeito. Às vésperas de completar 89 anos ainda recebe os amigos afetuosamente ou vai ao encontro de seu velho amigo Carlos Lessa para um abraço carinhoso, saboreado com um café no casarão do Cosme Velho onde o professor instalou o Instituto de Brasilidade. Atende com respeito a jovens professores e pesquisadores para conversas sobre o passado, presente e futuro do nosso País. Além disso, curte a contemporaneidade do século XXI com a literatura fantasmagórica de Martins (2012), está a ajuda a abstrair – e, ao mesmo tempo, repensar criticamente a realidade contemporânea.
Esta coletânea foi organizada com o intuito de apresentar a Conceição pensadora e professora de gerações de brasileiros e latino-americanos. A construção de sua trajetória intelectual é apresentada pelos capítulos escritos por Fernando Nogueira da Costa, Hildete Pereira de Melo e Gloria Maria Moraes da Costa. O primeiro analisa o conteúdo teórico dos seus escritos e vivência docente e as segundas descrevem seu itinerário intelectual, como a jovem matemática torna-se a renomada economista Maria da Conceição Tavares e comenta sua breve aparição no cenário parlamentar nacional, quando, em 1994, foi eleita Deputada Federal pelo Partido dos Trabalhadores. Assim, Conceição cientista e mulher política se confundem; ela rompeu todas as barreiras que ainda hoje relegam às mulheres tanto no cenário político como no científico do mundo atual, e que a jovem Conceição dos anos cinquenta enfrentou com tanta garra e destemor.
Por fim, esta coletânea não teve a pretensão de analisar exaustivamente a vasta obra publicada pela Professora Maria da Conceição Tavares, tais como artigos em periódicos acadêmicos nacionais e internacionais, jornais e as diversas e abundantes entrevistas que concedeu ao longo do tempo a jornalistas e pesquisadoras/es; apenas registrou-se o significado do seu magistral desempenho como teórica do desenvolvimento socioeconômico brasileiro e latino-americano e professora de gerações de jovens deste continente e do Brasil.
Que a leitura desta coletânea induza leitores e leitoras a continuar o estudo da realidade socioeconômica brasileira, e que estes se motivem a acessar o que da sua ampla produção científica e política não foi contemplada aqui.
Boa leitura!
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